Deveria existir uma lei que proibisse a tristeza, abandono e
exploração de crianças.
Serafina não entendia a razão que levou seus pais colocá-la
naquela lata de lixo.
- Será que eles acharam que eu era feia?
- Se um dia eu tivesse um reino, com certeza isso não
aconteceria.
Mas, antes que completasse seus pensamentos, ela levou um
safanão no pescoço.
- Avia logo este trabalho menina! Tá querendo cair no couro
outra vez é?
Lágrimas escorrem pelo rosto de Serafina. Até quando ela teria que viver nessas
condições de vida? Será que nunca ia poder ser uma criança normal?
Infelizmente, não era só ela que passava por isso. A maioria
das crianças deste reino sofriam maus tratos e exploração. Ouviu- se dizer que
nas bandas mais distantes havia também escravidão e abusos sexuais. Mas ninguém
parecia se importar. A parte mais rica do reino só ligava pra festas, dinheiro
e luxos. Eles dizem que não concordam, mas, nada fazem para mudar esta cruel
realidade. Num dia sombrio e nublado,
Serafina acordou sentindo que algo ruim estava prestes a acontecer. Não sabia
explicar exatamente, mas, a sensação não era boa. Levantou-se da cama e foi fazer o café para
seu pai (que na verdade não era pai de verdade, ele jura tê-la encontrado numa
lata de lixo).
Enquanto fazia as suas obrigações seu pai entrou na cozinha,
fazendo com que ela sentisse um arrepio na espinha.
- Você está crescendo e se tornando uma bela moça. Logo vai
poder casar comigo e me servir como se deve.
É o mínimo que tu podes fazer para retribuir tudo o que eu fiz pela sua
vida. Sem mim, estarias morta.
- Eu sei que te devo a vida, mas, não preciso me casar com
você para lhe pagar. Já lhe retribuo com o meu trabalho e cuidando de você. Isso
é mais que suficiente não acha?
Recebeu um soco no rosto, mas foi tão forte que sentiu o
sangue escorrer. Chorando ela respondeu:
- O café está pronto. Vou trabalhar.
Antes que pudesse dar dois passos, Malvino a pegou pelo
braço e jogou-a no chão. Começou a lhe tocar de forma indevida e num momento de
descuido, ela deu uma mordida nele e saiu correndo. De longe, ela ouvia os
berros:
- Isso não vai ficar assim!
Quando você voltar vou te ensinar a respeitar os mais velhos.
Serafina saiu
chorando rios de lágrimas. No caminho, sentou-se à beira de um riacho e lavou o
seu rosto.
- Será que um dia isso vai ter fim? Não volto mais para
aquela casa. Cansei de viver desse jeito. Vou procurar a minha felicidade.
Pegou a sua sacola e começou a cantar, pois segundo ela isso
ajudava a espantar a tristeza. Só que ela não esperava que acontecesse algo que
mudasse seu destino para sempre. Ela cantou tanto que se descuidou e caiu num
buraco profundo.
Mas a queda demorou tanto que Serafina acabou dormindo. Quando ela acordou, se viu deitada numa cama
enorme. Olhou pros lados e percebeu que estava
num enorme castelo. Pouco depois, uma mulher entrou no seu quarto sorrindo e
lhe perguntou:
- Bom dia princesa Serafina. Como dormiu? O café está
servido. Troque logo se roupa porque seu pai está te esperando. Você sabe muito
bem que ele não gosta quando você se atrasa para as refeições.
Ela não entendeu nada. Porque aquela simpática senhora
estava lhe chamando de princesa?
Antes que a senhora saísse, ela a chamou:
- O que está acontecendo? Eu não deveria está aqui...
Antes que a criada respondesse, uma borboleta enorme entrou
pela janela e deixando todo o quarto brilhante com a sua luz. Logo ela pousou
na cabeceira da cama e se transformou numa linda mulher.
A criada sorriu e sai do quarto, pois, sabia que através da
borboleta ela encontraria as respostas que precisava.
- Quem é você? O que está acontecendo? Estou ficando
assustada com tudo isso.
Então, a linda moça-borboleta piscou os olhos três vezes e
logo ela começou a se lembrar.
- Ah sim, agora eu sei bem onde estou e quem sou. Que susto!
Mas eu não entendo, porque estou com essas roupas horríveis?
Piscou os olhos mais uma vez e uma imagem se formou no ar.
Tudo o que ela vivera na parte pobre do reino começou a aparecer. Ela se
encolheu na cama quando a imagem de Malvino apareceu.
- Pare com isso! Qual a necessidade de me fazer passar por
essa situação constrangedora. Eu deveria mandar meu pai extinguir do reino
todos os seres iguais a você.
Bom, você pode até fazer isso, mas, antes deixe eu te
mostrar o propósito de tudo isso.
Outras imagens começaram a se formar. Crianças sofrendo,
sendo exploradas, comendo lixo, sendo molestadas começaram a aparecer. Dava pra
ver as lágrimas escorrendo pelos rostos, o medo constante que as assolava e até
viu uma delas sendo tocada de forma indevida. Mas uma vez ela começa a chorar.
- Por favor, pare.
As imagens somem e a moça - borboleta começa a falar:
- Você sempre viveu neste castelo, nunca passou fome e é uma
menina muito amada por sua família. Porém com tudo isso, se tornou uma criança
arrogante e mimada que não se importa com os outros. Maltrata os empregados e
vira a cara para os pobres. Vive dizendo que não suporta ir naquelas bandas do
reino. Foi preciso passar por tudo isso
para que você acordasse e soubesse da existência do sofrimento de crianças da
sua idade.
Levantou-se da cama e disse:
- Obrigada, agora eu entendo. Vou mudar minhas atitudes. Agora
mesmo vou conversar com o meu pai. Ele é o rei e as crianças não devem mais
sofrer. Uma lei precisa ser criada. A felicidade precisa ser a ordem principal
para as crianças.
Correu para abraçar aquele ser que lhe abrira os olhos, mas,
antes que ela o fizesse a borboletinha saiu pela janela e tudo voltou a ser
como antes. Serafina se apressou e desceu para o café. Conversou com seu pai e
pediu para que ele a levasse na parte pobre do reino. Quando regressaram, disse
que aquilo precisava acabar e ela contou sobre a ideia da criação de uma lei: A
lei da felicidade. Ele concordou e pediu que reunisse todos os seus súditos
para anunciar a sanção da seguinte lei:
“De agora em diante, em todas as partes do meu reino está
proibido o abandono, exploração e maus tratos. Nenhuma criança poderá ser
submetida a este tipo de coisa. Criarei também uma escola para que todas, sem
exceção possam estudar. Fiscais estão sendo espalhados por todos os lados para
garantir que a lei seja cumprida. Qualquer um que infringir estará sujeito a
pena de morte.”
Todos comemoraram e as coisas finalmente mudaram. Agora as
crianças estavam felizes e iam à escola, podiam brincar cantar e dançar. Aquele
passado triste foi apagado e agora elas estavam escrevendo uma nova história,
tendo esperança de que um dia seus sonhos seriam realizados.
Essa lei ficou conhecida como a “Lei da Felicidade” e com o
passar dos anos, outros reinos foram aderindo até que todo o mundo entendesse
que os abusos precisavam acabar. E de fato acabaram.